quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Os alunos da Uniban e o preconceito

Quero fazer algumas considerações sobre o fato de Geisy Arruda, aluna da Uniban, ter sido hostilizada por seus colegas. Defendo que o problema maior, ou mesmo o único problema que mereça ser abordado, neste caso é a violência com a qual a garota Geisy foi tratada. Entretanto, não é exatamente isso que está no foco das discussões; o foco está no preconceito de alguns alunos contra ela, como se a Uniban representasse uma ilha preconceituosa num mar de gente tolerante. O preconceito, enquanto guardado como um valor individual e não expresso de forma violenta ou demeritória, mesmo sendo um grave problema (no meu ponto-de-vista que se pretende racional) social, não fere nenhuma lei (ninguém é obrigado a não ter preconceitos); já a violência agride as leis.

Quando alguém usa de um preconceito, ou mesmo de um valor social, para exercer violência contra outro alguém, temos um crime. Ocorre que isso acontece o tempo todo: quando um grupo de sem-terras derruba pés de laranja, está exercendo este tipo de violência; quando "alunos" e "funcionários" da USP impedem a votação para reitor, estão exercendo este tipo de violência; quando um grupo qualquer resolve parar a avenida Paulista para protestar, está exercendo este tipo de violência. Tento explicar a sutileza que quero explicitar: grupos altamente preconceituosos e sectários, especialmente os "movimentos sociais" e os "intelectuais" estão usando o preconceito de alunos da Uniban para ampliar o preconceito contra quem não adere automaticamente aos valores destes tais "movimentos sociais" e "intelectuais" e, enquanto isso, a questão que realmente importa, ou seja, a afronta às leis do país, nem sequer é abordada. A coisa toda é matéria criminal e não simples questões de opiniões ou valores.

Pelo prisma da sociologia, o fato de a garota Geisy ter sido hostilizada não constitui nenhuma anomalia. Houve ali um fato social, uma coerção exercida pela força coletiva contra algo que, de alguma forma, fere esta força. Veja bem que não faço aqui julgamento de valores, não afirmo aqui que isso ou aquilo sejam certos ou errados a priori; proponho apenas que se faça um esforço para entender as causas deste fato e o porquê desta coerção (na verdade coerção soa como eufismo, mas é o termo usado na sociologia, que é a ciência que pretendo usar para analisar o fato). Houve uma associação entre a forma de vestir de Geisy e a prostituição, de modo que ela não foi hostilizada por usar um vestido curto, mas por representar, no entendimento de quem a hostilizou, um símbolo de prostituição. A prostituição, no Brasil e no mundo, não é socialmente aceita, mesmo que as leis a aceitem. Os valores sociais, a força coletiva que citei acima, não se formam de maneira racional, que é como esperamos no ocidente que as leis sejam formadas, e, justamente por isso, as leis têm primazia.

Assim, o fato de Geisy ser tratada com desdém ou mesmo vista com reservas pelos outros alunos, seria algo normal. Como disse, não julgo se certo ou errado, mas as sociedades se constituem desta forma, independentemente de eu ou qualquer um acharmos certo ou errado. A força coletiva exerce, e sempre exercerá, coerção contra aquilo que fere seus princípios. É muito fácil provar isso: suponha que estamos todos num velório de alguém que nos é muito querido e, de repente, surge uma moça vestida à moda das prostitutas; por mais pura e ingênua que seja a moça e por mais inocentes que sejam suas intenções, tenho certeza de que a maioria, senão todos, dos presentes ao velório olhariam para a tal moça com maus olhos. Esta força coletiva que é maior que a soma das consciências individuais representa uma instituição, na definição de Durkheim, e fazem parte de qualquer sociedade.

Por outro lado, o fato de Geisy ser hostilizada com violência, injuriada e precisar mesmo de ajuda de força pública para não ser agredida representa um atentado contra as leis do país. Seria de se esperar, então, que houvesse um inquérito, um processo criminal contra quem cometeu tais delitos. O que vemos, entretanto, é uma tentativa de coagir os tais alunos de modo a que se "enquadrem" dentro de um pensamento que se pretende universal, ou seja, que estendam a mão à palmatória e "engulam" seus preconceitos. Ocorre que isso também é um preconceito, e maior que o original. Quer-se que todos pensem de maneira homogênea, e todos de acordo com princípios "politicamente corretos", como se o que estivesse em questão fosse a simples "liberdade de se vestir" das mulheres em geral. Eu me pretendo um ser racional e acredito que todo preconceito deve ser combatido, mas acho também que nunca a humanidade estará livre de tê-los (nem eu, também) simplesmente porque são parte essencial das pessoas e das sociedades. Mas, é bom que esclareça, ter preconceitos não dá direito de ser violento nem de menosprezar quem quer que seja, e nisso entra a razão que tem a função de moderar as pessoas.

Ainda não sei se me fiz claro: estão todos tratando os alunos da Uniban como se fossem marcianos, mas eles são, simplesmente, um reflexo dos valores que estão cada vez mais imperando no Brasil. Isso vale para os estudantes da Uniban, para os "movimentos sociais", para "intelectuais" (que acham que podem violentar as consciências de seres "menos evoluídos"), para o presidente da República (que acha que pode passar por cima das leis, enlamear ou limpar biografias por ter algum tipo de licença especial), para o traficante (que se acha vítima de uma ordem social que o exclui), e por aí vamos. E a lei que se dane, ao que parece.