sexta-feira, 30 de abril de 2010

Homicídios totais ou proporcionais?

No texto que escrevi anteriormente sobre homicídios no Brasil, uso o número de assassinatos ocorridos em cada estado e não uma proporção, como homicídios por 100.000 habitantes, por exemplo. Fui questionado sobre isso e me "alertaram" que o que realmente importa é o número proporcional. Seria algo como: os homicídios cresceram, mas a população também cresceu, logo a coisa pode não estar tão feia quanto parece. Este é o típico argumento que se usa para desviar o foco do problema e acusar o diagnóstico. A população cresceu em dez anos? Todos sabemos que sim. Este fato, por si, torna menos escandaloso o fato de que são assassinadas perto de 50.000 pessoas todos os anos? Qualquer pessoa séria saberá que não. Ou então, a solução para questões de segurança seria aumentar a população, mantendo, evidentemente, o nível de violência , ao invés de diminuir a violência.

Para evidenciar o tamanho do problema e para que não se possa usar argumentos relativistas, digamos assim, como o que vai acima, fiz as mesmas contas considerando homicídios como proporção da população, no caso a cada 100.000 habitantes. Fui à mesma fonte de que se valeu o Instituto Sangari (DataSUS, http://www.datasus.gov.br/) e obtive o número usado no estudo para a população de cada estado em cada ano do período, dividi o número de homicídios no período pela população total de cada estado e multipliquei o resultado por 100.000 e obtive, assim, a taxa de homicídios por 100.000 habitantes. Agreguei os dados de todos os estados exceto São Paulo e comparei com os dados deste estado.

Entre 1997 e 2007

  • a taxa de homicídios de todos os estados exceto São Paulo passou de 22,4 para 28,1, um crescimento de 25,5%;
  • a taxa de homicídios de São Paulo passou de 36,1 para 15,0, uma diminuição de 58,6%;
  • a taxa nacional de homicídios passou de 25,4 para 25,2, uma diminuição de 0,7%.

Os estados do Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e mais o Distrito Federal diminuíram suas taxas de homicídios, enquanto nos outros estados houve aumento. Apenas no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Mato Grosso do Sul houve efetivamente menos mortes em 2007 do que em 1997. Tendência perceptível de queda, apenas em São Paulo e Rio de Janeiro.

A variação, entre 1997 e 2007, da taxa de homicídios por região foi:

  • no Norte um aumento de 49,7%;
  • no Nordeste um aumento de 53,3%;
  • no Sudeste uma diminuição de 32,7% (SP: queda de 58,6%; RJ: queda de 31,7%);
  • no Sul um aumento de 40,6%; e
  • no Centro-Oeste um aumento de 6,6%.

Os números são escandalosos. Não há relativização possível sobre estes dados: a violência tem crescido constante e desmesuradamente nos últimos anos. Seja em números absolutos, seja em proporções, seja como for, o Brasil é um dos países mais violentos do mundo e tem uma necessidade urgente de reverter esta situação. Não existe e nunca existirá progresso sem paz. Canta-se a glória de um "novo Brasil", mas que novo Brasil é este onde o bem-estar é medido pela capacidade de consumo (e esta muito ilusória, diga-se) e não pela qualidade de vida da população? Já passou da hora pararmos de tapar o sol com a peneira. É preciso levar efetivamente a sério esta questão.

Abaixo gráfico e tabelas com informações sobre as taxas de homicídios no Brasil (clique para ampliar):

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Evolução do número de homícidios no Brasil

Recentemente o pré-candidato à presidência José Serra propôs a criação do ministério da Segurança Pública, que teria a função de ajudar os estados no combate à criminalidade e coordenar os esforços das diversas forças envolvidas nesta tarefa.

Imediatamente o PT tratou de desqualificar a proposta. Dilma Roussef afirmou que não via a necessidade de criação do ministério; José Dirceu criticou fortemente os governos do PSDB em São Paulo e afirmou que José Serra não tem autoridade para falar em segurança e que a proposta seria um afago à direita truculenta.

Quando olhamos os números da violência, fica difícil entender a postura petista. O Mapa da Violência do Instituto Sangari, por exemplo, traz dados sobre os homicídios no país. Perto de 50.000 pessoas são assassinadas todos os anos no Brasil (quase uma a cada 10 minutos) e a situação está longe de estar sob controle. Entre 1997 e 2007, apenas Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo conseguiram diminuir o número de homicídios.

Se considerarmos todos os estados exceto São Paulo, o número de homicídios entre 1997 e 2007 teve um aumento de 48,4%. No mesmo período, o número de homicídios em São Paulo diminuiu 50,3%. Acho que esta informação é resposta mais que suficiente a José Dirceu.

Afirmar que a situação da violência em São Paulo é confortável seria uma mentira e, mais que isso, uma hipocrisia. É visível que existe ainda muito o que fazer e eu chego a pensar que o estado, por mais que trabalhe e invista nesta área, não poderá passar de um certo limite, já que uma enorme parte da violência se dá por questões que estão além dos poderes da polícia e do governo do estado.

Desmerecer o esforço de São Paulo no combate a violência e, por motivações políticas egoístas, criticar a proposta de José Serra beira o crime de responsabilidade. Se a situação paulista não é confortável, a da maioria absoluta do país é calamitosa. Se São Paulo, que é o estado mais exitoso no combate à violência e que tem efetivamente diminuído o problema, ainda tem um longo caminho a percorrer, é evidente que os outros estados (onde, na maioria, a violência tem aumentado) têm caminhos muito maiores, têm dificuldades urgentes. Não é possível negar que o governo federal tem que assumir um papel ativo nesta área.

Abaixo tabelas e gráficos com números extraídos do Mapa da Violência 2010. Homicídios no Brasil, em São Paulo e nos demais estados.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Os alunos da Uniban e o preconceito

Quero fazer algumas considerações sobre o fato de Geisy Arruda, aluna da Uniban, ter sido hostilizada por seus colegas. Defendo que o problema maior, ou mesmo o único problema que mereça ser abordado, neste caso é a violência com a qual a garota Geisy foi tratada. Entretanto, não é exatamente isso que está no foco das discussões; o foco está no preconceito de alguns alunos contra ela, como se a Uniban representasse uma ilha preconceituosa num mar de gente tolerante. O preconceito, enquanto guardado como um valor individual e não expresso de forma violenta ou demeritória, mesmo sendo um grave problema (no meu ponto-de-vista que se pretende racional) social, não fere nenhuma lei (ninguém é obrigado a não ter preconceitos); já a violência agride as leis.

Quando alguém usa de um preconceito, ou mesmo de um valor social, para exercer violência contra outro alguém, temos um crime. Ocorre que isso acontece o tempo todo: quando um grupo de sem-terras derruba pés de laranja, está exercendo este tipo de violência; quando "alunos" e "funcionários" da USP impedem a votação para reitor, estão exercendo este tipo de violência; quando um grupo qualquer resolve parar a avenida Paulista para protestar, está exercendo este tipo de violência. Tento explicar a sutileza que quero explicitar: grupos altamente preconceituosos e sectários, especialmente os "movimentos sociais" e os "intelectuais" estão usando o preconceito de alunos da Uniban para ampliar o preconceito contra quem não adere automaticamente aos valores destes tais "movimentos sociais" e "intelectuais" e, enquanto isso, a questão que realmente importa, ou seja, a afronta às leis do país, nem sequer é abordada. A coisa toda é matéria criminal e não simples questões de opiniões ou valores.

Pelo prisma da sociologia, o fato de a garota Geisy ter sido hostilizada não constitui nenhuma anomalia. Houve ali um fato social, uma coerção exercida pela força coletiva contra algo que, de alguma forma, fere esta força. Veja bem que não faço aqui julgamento de valores, não afirmo aqui que isso ou aquilo sejam certos ou errados a priori; proponho apenas que se faça um esforço para entender as causas deste fato e o porquê desta coerção (na verdade coerção soa como eufismo, mas é o termo usado na sociologia, que é a ciência que pretendo usar para analisar o fato). Houve uma associação entre a forma de vestir de Geisy e a prostituição, de modo que ela não foi hostilizada por usar um vestido curto, mas por representar, no entendimento de quem a hostilizou, um símbolo de prostituição. A prostituição, no Brasil e no mundo, não é socialmente aceita, mesmo que as leis a aceitem. Os valores sociais, a força coletiva que citei acima, não se formam de maneira racional, que é como esperamos no ocidente que as leis sejam formadas, e, justamente por isso, as leis têm primazia.

Assim, o fato de Geisy ser tratada com desdém ou mesmo vista com reservas pelos outros alunos, seria algo normal. Como disse, não julgo se certo ou errado, mas as sociedades se constituem desta forma, independentemente de eu ou qualquer um acharmos certo ou errado. A força coletiva exerce, e sempre exercerá, coerção contra aquilo que fere seus princípios. É muito fácil provar isso: suponha que estamos todos num velório de alguém que nos é muito querido e, de repente, surge uma moça vestida à moda das prostitutas; por mais pura e ingênua que seja a moça e por mais inocentes que sejam suas intenções, tenho certeza de que a maioria, senão todos, dos presentes ao velório olhariam para a tal moça com maus olhos. Esta força coletiva que é maior que a soma das consciências individuais representa uma instituição, na definição de Durkheim, e fazem parte de qualquer sociedade.

Por outro lado, o fato de Geisy ser hostilizada com violência, injuriada e precisar mesmo de ajuda de força pública para não ser agredida representa um atentado contra as leis do país. Seria de se esperar, então, que houvesse um inquérito, um processo criminal contra quem cometeu tais delitos. O que vemos, entretanto, é uma tentativa de coagir os tais alunos de modo a que se "enquadrem" dentro de um pensamento que se pretende universal, ou seja, que estendam a mão à palmatória e "engulam" seus preconceitos. Ocorre que isso também é um preconceito, e maior que o original. Quer-se que todos pensem de maneira homogênea, e todos de acordo com princípios "politicamente corretos", como se o que estivesse em questão fosse a simples "liberdade de se vestir" das mulheres em geral. Eu me pretendo um ser racional e acredito que todo preconceito deve ser combatido, mas acho também que nunca a humanidade estará livre de tê-los (nem eu, também) simplesmente porque são parte essencial das pessoas e das sociedades. Mas, é bom que esclareça, ter preconceitos não dá direito de ser violento nem de menosprezar quem quer que seja, e nisso entra a razão que tem a função de moderar as pessoas.

Ainda não sei se me fiz claro: estão todos tratando os alunos da Uniban como se fossem marcianos, mas eles são, simplesmente, um reflexo dos valores que estão cada vez mais imperando no Brasil. Isso vale para os estudantes da Uniban, para os "movimentos sociais", para "intelectuais" (que acham que podem violentar as consciências de seres "menos evoluídos"), para o presidente da República (que acha que pode passar por cima das leis, enlamear ou limpar biografias por ter algum tipo de licença especial), para o traficante (que se acha vítima de uma ordem social que o exclui), e por aí vamos. E a lei que se dane, ao que parece.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Por que o aborto é condenável

Navegando por aí, acabei conhecendo o blog Imaginalismo (imaginalismo.blogspot.com) e lá encontrei um texto interessante de título "Aborto NÃO tem nada a ver com religião". Nele a autora sintetiza bem os argumentos de quem apóia o aborto e, analisando-os, defende que não são válidos - ou não válidos o suficiente - para justificá-lo; raciocínio com o qual eu concordo totalmente.

Mesmo concordando com a autora, acredito que pensamos de maneira igual por motivos diferentes. Ou talvez pelos mesmos motivos, mas com diferentes profundidades nos pensamentos de cada um.

Fiz um comentário no blog que refaço aqui de maneira mais completa.

Muitos que defendem o aborto dizem que este seria um "direito natural" da mulher. Se pensarmos apenas por este prisma, ou seja, do ponto de vista do "direito natural", de fato a mulher tem esta liberdade: se uma mulher quiser, em sua casa e longe das vistas de outras pessoas, abortar, quem a impedirá? Do mesmo modo que ninguém impedirá uma pessoa de matar uma outra, se esta primeira agir sorrateiramente.

O conceito de direito natural usado aqui está ligado à idéia de liberdade. Liberdade irrestrita (parece pleonasmo, mas não é) seria o direito natural de todo homem. Todo homem teria direito de fazer todas as coisas; logo, um homem poderia matar qualquer outro, mas, como conseqüência, se arriscaria a ser morto por qualquer outro homem. A essência por trás deste conceito é simples: se não existe uma lei superior a todos os homens e que a todos governe, então cada homem define o que é bom e o que não é; todas as coisas serão lícitas e legítimas.

De modo semelhante, no que tange à idéia de "natural", muitos que combatem o aborto dizem que ele vai contra a natureza. Advogam, pois, o contrário dos primeiros: a mulher não pode abortar porque isso não é natural.

Nos dois casos, o que não lhes ocorre é que o Homem não é exatamente um ser natural. Se fossêmos estritamente naturais, viveríamos em bandos, moraríamos em cavernas ou seríamos nômades. Nós somos seres sociais e, conseqüentemente, morais. O aborto não é condenável ou aceitável por ser natural ou contrário à natureza. Ele é aceitável ou não de acordo com nossa hegemonia moral.

O nosso conceito atual de liberdade não se confunde com aquele do direito natural. Antes nossa liberdade atual está limitada, como um rio que não consegue ultrapassar suas margens. Temos pontos onde nossa liberdade, nosso direito natural, cessa e dá lugar a coisas que regulam nossas relações, a saber: a moralidade e o Direito. 

Também nossa vida moderna não é guiada pelo que é natural. Aliás, se assim fosse, seria mais fácil justificar o aborto do que combatê-lo: não é difícil encontrar exemplos na natureza de animais que abandonam suas crias ou mesmo que forçam o aborto de fêmeas cuja gravidez poria em risco a sobrevivência do grupo. Não existe moralidade na natureza.

Logo, o aborto não se nos apresenta como uma questão natural, mas moral. Nisso, e estritamente nisso, reside minha crítica à defesa desta prática. Quem defende a idéia de aborto faz uma apologia ao relativismo moral, ou seja, algumas coisas são aceitáveis na medida das conveniências de um grupo. A se supor isso como verdade, poderíamos um dia defender o extermínio de deficientes mentais com a mesma facilidade que defendemos o aborto. O que define o que pode ser descartado e o que não pode? Quem me garante que um dia a hegemonia moral não dirá que eu possa ser descartado?

Alguns dirão que não se trata de exterminar ninguém, uma vez que o "material descartado" não constituiria ainda uma pessoa. Aqui uso o mesmo argumento da autora do Imaginalismo: e quem define o que constitui uma pessoa? Alguns dirão que a resposta cabe à Ciência, mas se enganam, pois esta também é uma questão moral. Vejam que não foi difícil aos nazistas definir que judeus não eram exatamente seres humanos.

Por tudo o que apresento acima, entendo que, ao não defender o aborto, eu defendo a minha própria vida. Se relativizarmos nossa moral, que é eficiente no que tange ao direito à vida, abriremos brechas para que um dia tal relativização se volte contra nós mesmos. Moralmente eu escolho que todas as vidas devem ser preservadas ao máximo e da melhor maneira possível, inclusive a minha.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O desempenho do GATE

Vou dar uma de preguiçoso aqui. Não vou escrever, mas copiar o texto de alguém; um texto que eu queria ter escrito: "A IMPRENSA TEM O DEVER DE NOTICIAR O DESEMPENHO DO GATE. E ELE ESTÁ AQUI", do blog de Reinaldo Azevedo. Minha intenção, na verdade, era dar aqui o link do texto para que vocês pudessem acessá-lo diretamente da fonte, mas o mecanismo de publicação do blog dele não está funcionando corretamente. Vai, então, no copiar e colar mesmo.

 

A IMPRENSA TEM O DEVER DE NOTICIAR O DESEMPENHO DO GATE. E ELE ESTÁ AQUI (Reinaldo Azevedo, www.reinaldoazevedo.com.br)

Olhem aqui, eu estou entre aqueles que acreditam que o GATE também cometeu erros na operação que resultou na morte da garota Eloá: o mais óbvio, parece-me, foi ter, quando menos, criado as condições para que a outra garota, Nayara, voltasse à cena do cativeiro. Ainda que a equipe tenha considerado que ela era uma interlocutora útil, os devidos cuidados deveriam ter sido tomados para que não voltasse ao cativeiro. De todo modo, esse episódio não teve influência no desfecho trágico, convenha-se. Sim, que se apontem os erros. Mas tratar o GATE, agora, como um bando de trapalhões e incompetentes é injusto e, lamento dizer, só reforça a boca torta pelo uso do cachimbo. A imprensa não gosta da Polícia — isso é histórico. A simpatia pode crescer um pouco quando ela se armam e se junta a sindicalistas para fazer baderna, “companheiro”... Será mesmo o GATE tão incompetente? Em quantos casos de seqüestros dessa natureza a equipe já se envolveu? Qual é o seu saldo? É positivo? É negativo? Quais são os números? Pois eu tentei saber.

Sabem quantos foram os reféns mortos em operações mediadas pelo GATE de 1998 até hoje? APENAS DOIS! Em 2006, um marceneiro prendeu em sua loja a amante e a mulher. Acabou libertando a segunda, matou a primeira e se suicidou. Antes que a polícia pudesse fazer qualquer coisa. E temos, agora, o caso Eloá.

Só neste ano, o GATE atendeu 18 ocorrências — em 12 delas, os seqüestradores eram pessoas emocionalmente perturbadas; os demais eram criminosos comuns. Vinte e cinco seqüestradores foram presos (incluindo Lindemberg), e dois se suicidaram. NADA MENOS DE 47 REFÉNS FORAM LIBERADOS ILESOS SÓ NESTE ANO.

Numa entrevista ao Fantástico ontem, um brasileiro apresentado como instrutor de uma unidade da SWAT, apontou os muitos erros do GATE e chegou a dizer que “sente vergonha” dessa polícia. E indicou ali, depois do fato, claro, o que considerava os muitos procedimentos que deveriam ter sido adotados.

Não, não temos que endossar ou desculpar os eventuais erros do GATE. É preciso apontá-los — até para que sejam corrigidos, tomando o cuidado para não confundir filmes sobre a SWAT com operações da SWAT real. Será mesmo que os índices das unidades da polícia americana são superiores aos do GATE? Aposto que não.

Corrijam-se os erros. Mas, como brasileiro e paulista, eu tenho ORGULHO do desempenho do GATE nos últimos 10 anos, e não vergonha.

Não as matem

O ex-comandante do BOPE (Batalhão de Operações Especiais) do Rio de Janeiro, que também é sociólogo, Rodrigo Pimentel, critica, em entrevista ao portal Terra, duramente a atuação da imprensa no caso do seqüestro em Santo André.

Mas o que me chamou a atenção foi o parágrafo final da entrevista, sintetizado na frase final: "homens no Brasil matam suas companheiras com uma freqüência muito grande". Me fez lembrar de Lima Barreto. Há quase cem anos ele já escrevia sobre isso. Se vê que não avançamos tanto quanto imaginamos. Segue abaixo uma crônica que demonstra o porquê de este ser um dos maiores brasileiros de todos os tempos.

 

Não as Matem (Lima Barreto)

Esse rapaz que, em Deodoro, quis matar a ex-noiva e suicidou-se em seguida, é um sintoma da revivescência de um sentimento que parecia ter morrido no coração dos homens: o domínio, quand même [nota: apesar de tudo, ainda que], sobre a mulher.

O caso não é único. Não há muito tempo, em dias de carnaval, um rapaz atirou sobre a ex-noiva, lá pelas bandas do Estácio, matando-se em seguida. A moça com a bala na espinha, veio morrer, dias após, entre sofrimentos atrozes.

Um outro, também, pelo carnaval, ali pelas bandas do ex-futuro Hotel Monumental, que substituiu com montões de pedras o vetusto convento da Ajuda, alvejou a sua ex-noiva e matou-a.

Todos esses senhores parece que não sabem o que é a vontade dos outros.

Eles se julgam com o direito de impor o seu amor ou o seu desejo a quem não os quer. Não sei se se julgam muito diferentes dos ladrões à mão armada; mas o certo é que estes não nos arrebatam senão o dinheiro, enquanto esses tais noivos assassinos querem tudo que é de mais sagrado em outro ente, de pistola na mão.

O ladrão ainda nos deixa com vida, se lhe passamos o dinheiro; os tais passionais, porém, nem estabelecem a alternativa: a bolsa ou a vida. Eles, não; matam logo.

Nós já tínhamos os maridos que matavam as esposas adúlteras; agora temos os noivos que matam as ex-noivas.

De resto, semelhantes cidadãos são idiotas. É de supor que, quem quer casar, deseje que a sua futura mulher venha para o tálamo conjugal com a máxima liberdade, com a melhor boa-vontade, sem coação de espécie alguma, com ardor até, com ânsia e grandes desejos; como é então que se castigam as moças que confessam não sentir mais pelos namorados amor ou coisa equivalente?

Todas as considerações que se possam fazer, tendentes a convencer os homens de que eles não tem sobre as mulheres domínio outro que não aquele que venha da afeição, não devem ser desprezadas.

Esse obsoleto domínio à valentona, do homem sobre a mulher, é coisa tão horrorosa, que enche de indignação.

O esquecimento de que elas são, como todos nós, sujeitas, a influências várias que fazem flutuar as suas inclinações, as suas amizades, os seus gostos, os seus amores, é coisa tão estúpida, que, só entre selvagens deve ter existido.

Todos os experimentadores e observadores dos fatos morais têm mostrado a insanidade de generalizar a eternidade do amor. Pode existir, existe, mas, excepcionalmente; e exigi-la nas leis ou a cano de revólver, é um absurdo tão grande como querer impedir que o Sol varie a hora do seu nascimento.

Deixem as mulheres amar à vontade.

Não as matem, pelo amor de Deus!

Vida Urbana, 27-01-1915

O papel das famílias no seqüestro em Santo André

Há coisas que são difíceis de serem ditas. Há coisas que são cruéis demais para serem ditas, mas têm de ser. É muito penoso analisar os papéis das famílias dos envolvidos no seqüestro, porque eles foram os maiores, senão os únicos, realmente penalizados por tudo o que aconteceu. Como dizer aos pais de Eloá que o comportamento deles teve influência nesta tragédia? Espero que eles nunca leiam este texto, porque não quero, de modo algum, infligir-lhes mais sofrimento. Mas espero que todos os outros pais e mães (ou quem pretende um dia ser) leiam e reflitam sobre estas ponderações.

Na verdade, para podermos nos situar melhor, não convém pensar em um pai e uma mãe, em uma família apenas. Convém pensarmos nos valores de todas as famílias. Convém refletirmos sobre nossas próprias famílias. O caso particular da família de Eloá é que ela serviu de exemplo (muito triste) que nos ajuda a apurar os nossos próprios valores. A partir de uma tragédia particular, teremos um benefício coletivo. É, eu sei, um pensamento difícil de aceitar, mas temos de tirar lições para evitar que tal coisa se repita.

Aqui tenho que fazer um pequeno desvio. Não sou sociólogo, mas tenho aulas de ciências sociais. Numa aula aprendemos o porquê de a sociologia considerar o crime um fenômeno normal. Esta é uma afirmação que não é muito aceita pelo senso comum. As pessoas entendem que a ciência justifica os crimes, mas não é isso que ela faz. Para a sociologia, tão normal quanto existirem crimes nas sociedades é existirem punições para os criminosos. Mas, mais do que considerar normal, a ciência entende que existe utilidade no crime. Entender isso é ainda mais difícil do que entender que os crimes sejam fenômenos normais. Para compreender, não podemos nos basear apenas no senso comum e nas nossas primeiras impressões.

A sociologia entende que mesmo uma tragédia pode ser útil, porque ela nos ajuda a forjar e fortalecer aquilo que entendemos que é o justo e o certo. A nossa perplexidade diante de um crime fortalece em nós aquilo que consideramos um comportamento correto, põe à prova o nosso senso de certo e errado, aprimora e dá homogeneidade à nossa moral, sem a qual é impossível haver sociedade. De certa maneira, a partir do que é mau, descobrimos o que é bom.

Se todas as consciências individuais fossem iguais, não haveria o bem e o mal, o certo e o errado, o crime e o comportamento correto. Neste ponto é difícil não fazer um paralelo com a bíblia. Logo no primeiro livro, o de Gêneses, está escrito que o homem e a mulher que Deus criou pecaram ao comer a fruta da árvore do conhecimento do bem e do mal. A bíblia diz que nosso maior erro, o erro que nos separou de Deus, foi desobedecê-lo e buscar o conhecimento do bem e do mal, do que é bom e do que é mau, do que é crime e do que é retidão. Mas já me desviei o suficiente, voltemos ao foco.

Nossas famílias têm sido influenciadas por educadores liberais, por "progressistas", por "esquerdas modernas" que as incentivam a tratar seus filhos como adultos. Pais e mães entendem que têm de conversar e negociar com seus filhos, como se estes tivessem maturidade e discernimento suficientes para saber o que é certo e o que não é. É muito comum a expressão "ensinar a criança a fazer escolhas" e tem gente que leva isso tão ao pé da letra que acha que é da alçada da criança decisões que muitos adultos não tem capacidade de tomar.

Eloá começou a namorar Lindemberg quando tinha 12 anos de idade. Alguns questionam a diferença de idade entre eles, 7 anos, mas não vejo ninguém questionando o fato de que aos 12 anos nós somos crianças. Não nos cabe, aos 12 anos, firmar compromisso, ainda mais amorosos, com ninguém. Nossas crianças estão sendo tratadas como adultos - tudo com a anuência de 'especialistas' e defensores do 'bem' - e ai de quem ousar dizer que isso é errado. Será tratado por "careta", reacionário, conservador, antiquado, burro mesmo. 

Eloá é só um exemplo. Existem milhões de meninas e meninos que antes do tempo adequado se encontram na posição de adultos. Um tanto se deve à moda: as crianças querem ser como todas as outras e, como este pensamento torto nos dominou, o anormal é uma pessoa de pouca idade ter comportamento de criança; normal é "namorar firme", com aliança e tudo, ter vida sexual ativa e "discutir a relação" com seu parceiro. Outro tanto deste fato se deve ao pensamento que nos é enfiado goela abaixo de que temos de "ser modernos", que temos de fugir das tradições, que temos de "negociar" com nossos filhos, que não devemos usar de autoridade, mas antes "convencer" as crianças do que seja o comportamento correto. 

Para exemplificar (lá vou eu em minha batalha já declarada contra a Record). Ontem eu vi um comercial onde uma menina de 14 anos, com a imagem devidamente embaçada para não ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente (vejam que coisa hipócrita), dizia que pegou AIDS porque não usou camisinha em suas relações sexuais. Uma menina de 14 anos! Eu não acredito que ninguém veja nada de errado nisso. Caberia um comercial dizendo para as meninas de 14 anos que elas NÃO PRECISAM TER SEXO apenas porque todo mundo diz que assim deve ser. Que elas podem ser crianças, que podem se preocupar com coisas de criança e não em usar camisinha para não pegar AIDS. Por que tratamos crianças como adultos? Por que sexualizamos nossas crianças? Por que toleramos que pessoas irresponsáveis ditem como devemos cuidar de nossos filhos?

Cabe a nós não aceitar mais essa imposição "progressista" inconseqüente e irresponsável. Cabe pensarmos no que é realmente o melhor para nossos filhos, para nossas crianças. Cabe defendermos nossa infância de verdadeiros "lobos maus" disfarçados de cordeiros cultos e modernos que têm respostas sobre como devemos cuidar de nossos filhos, mas nunca assumem responsabilidade pelas tragédias causadas por estas respostas. As conseqüências são: adultos desequilibrados gerados por uma infância doentia; meninas de 12, 13, 14, 15, 16, 17 anos grávidas, com vários filhos, com "famílias" improvisadas com rapazes que não sabem cuidar nem de um cachorro de estimação, quanto mais de um filho; exagero dos sentimentos, próprios da infância e da adolescência, que levam a crimes, agressões, traumas, violências de toda sorte.

Que fique claro: não estou culpando os pais de Eloá pela tragédia. O culpado único é Lindemberg que deve ser punido por isso. Mas cabe a nós tentar extrair lições úteis desta tragédia. Uma, na verdade a maior de todas, é de que temos obrigação de rever nossos valores e proporcionar uma proteção real e efetiva para nossas crianças.