segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O papel das famílias no seqüestro em Santo André

Há coisas que são difíceis de serem ditas. Há coisas que são cruéis demais para serem ditas, mas têm de ser. É muito penoso analisar os papéis das famílias dos envolvidos no seqüestro, porque eles foram os maiores, senão os únicos, realmente penalizados por tudo o que aconteceu. Como dizer aos pais de Eloá que o comportamento deles teve influência nesta tragédia? Espero que eles nunca leiam este texto, porque não quero, de modo algum, infligir-lhes mais sofrimento. Mas espero que todos os outros pais e mães (ou quem pretende um dia ser) leiam e reflitam sobre estas ponderações.

Na verdade, para podermos nos situar melhor, não convém pensar em um pai e uma mãe, em uma família apenas. Convém pensarmos nos valores de todas as famílias. Convém refletirmos sobre nossas próprias famílias. O caso particular da família de Eloá é que ela serviu de exemplo (muito triste) que nos ajuda a apurar os nossos próprios valores. A partir de uma tragédia particular, teremos um benefício coletivo. É, eu sei, um pensamento difícil de aceitar, mas temos de tirar lições para evitar que tal coisa se repita.

Aqui tenho que fazer um pequeno desvio. Não sou sociólogo, mas tenho aulas de ciências sociais. Numa aula aprendemos o porquê de a sociologia considerar o crime um fenômeno normal. Esta é uma afirmação que não é muito aceita pelo senso comum. As pessoas entendem que a ciência justifica os crimes, mas não é isso que ela faz. Para a sociologia, tão normal quanto existirem crimes nas sociedades é existirem punições para os criminosos. Mas, mais do que considerar normal, a ciência entende que existe utilidade no crime. Entender isso é ainda mais difícil do que entender que os crimes sejam fenômenos normais. Para compreender, não podemos nos basear apenas no senso comum e nas nossas primeiras impressões.

A sociologia entende que mesmo uma tragédia pode ser útil, porque ela nos ajuda a forjar e fortalecer aquilo que entendemos que é o justo e o certo. A nossa perplexidade diante de um crime fortalece em nós aquilo que consideramos um comportamento correto, põe à prova o nosso senso de certo e errado, aprimora e dá homogeneidade à nossa moral, sem a qual é impossível haver sociedade. De certa maneira, a partir do que é mau, descobrimos o que é bom.

Se todas as consciências individuais fossem iguais, não haveria o bem e o mal, o certo e o errado, o crime e o comportamento correto. Neste ponto é difícil não fazer um paralelo com a bíblia. Logo no primeiro livro, o de Gêneses, está escrito que o homem e a mulher que Deus criou pecaram ao comer a fruta da árvore do conhecimento do bem e do mal. A bíblia diz que nosso maior erro, o erro que nos separou de Deus, foi desobedecê-lo e buscar o conhecimento do bem e do mal, do que é bom e do que é mau, do que é crime e do que é retidão. Mas já me desviei o suficiente, voltemos ao foco.

Nossas famílias têm sido influenciadas por educadores liberais, por "progressistas", por "esquerdas modernas" que as incentivam a tratar seus filhos como adultos. Pais e mães entendem que têm de conversar e negociar com seus filhos, como se estes tivessem maturidade e discernimento suficientes para saber o que é certo e o que não é. É muito comum a expressão "ensinar a criança a fazer escolhas" e tem gente que leva isso tão ao pé da letra que acha que é da alçada da criança decisões que muitos adultos não tem capacidade de tomar.

Eloá começou a namorar Lindemberg quando tinha 12 anos de idade. Alguns questionam a diferença de idade entre eles, 7 anos, mas não vejo ninguém questionando o fato de que aos 12 anos nós somos crianças. Não nos cabe, aos 12 anos, firmar compromisso, ainda mais amorosos, com ninguém. Nossas crianças estão sendo tratadas como adultos - tudo com a anuência de 'especialistas' e defensores do 'bem' - e ai de quem ousar dizer que isso é errado. Será tratado por "careta", reacionário, conservador, antiquado, burro mesmo. 

Eloá é só um exemplo. Existem milhões de meninas e meninos que antes do tempo adequado se encontram na posição de adultos. Um tanto se deve à moda: as crianças querem ser como todas as outras e, como este pensamento torto nos dominou, o anormal é uma pessoa de pouca idade ter comportamento de criança; normal é "namorar firme", com aliança e tudo, ter vida sexual ativa e "discutir a relação" com seu parceiro. Outro tanto deste fato se deve ao pensamento que nos é enfiado goela abaixo de que temos de "ser modernos", que temos de fugir das tradições, que temos de "negociar" com nossos filhos, que não devemos usar de autoridade, mas antes "convencer" as crianças do que seja o comportamento correto. 

Para exemplificar (lá vou eu em minha batalha já declarada contra a Record). Ontem eu vi um comercial onde uma menina de 14 anos, com a imagem devidamente embaçada para não ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente (vejam que coisa hipócrita), dizia que pegou AIDS porque não usou camisinha em suas relações sexuais. Uma menina de 14 anos! Eu não acredito que ninguém veja nada de errado nisso. Caberia um comercial dizendo para as meninas de 14 anos que elas NÃO PRECISAM TER SEXO apenas porque todo mundo diz que assim deve ser. Que elas podem ser crianças, que podem se preocupar com coisas de criança e não em usar camisinha para não pegar AIDS. Por que tratamos crianças como adultos? Por que sexualizamos nossas crianças? Por que toleramos que pessoas irresponsáveis ditem como devemos cuidar de nossos filhos?

Cabe a nós não aceitar mais essa imposição "progressista" inconseqüente e irresponsável. Cabe pensarmos no que é realmente o melhor para nossos filhos, para nossas crianças. Cabe defendermos nossa infância de verdadeiros "lobos maus" disfarçados de cordeiros cultos e modernos que têm respostas sobre como devemos cuidar de nossos filhos, mas nunca assumem responsabilidade pelas tragédias causadas por estas respostas. As conseqüências são: adultos desequilibrados gerados por uma infância doentia; meninas de 12, 13, 14, 15, 16, 17 anos grávidas, com vários filhos, com "famílias" improvisadas com rapazes que não sabem cuidar nem de um cachorro de estimação, quanto mais de um filho; exagero dos sentimentos, próprios da infância e da adolescência, que levam a crimes, agressões, traumas, violências de toda sorte.

Que fique claro: não estou culpando os pais de Eloá pela tragédia. O culpado único é Lindemberg que deve ser punido por isso. Mas cabe a nós tentar extrair lições úteis desta tragédia. Uma, na verdade a maior de todas, é de que temos obrigação de rever nossos valores e proporcionar uma proteção real e efetiva para nossas crianças.

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