quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O pior dos preconceitos

Eu não confio em que diz não ter preconceitos. Estes são, talvez, os que mais têm. Ter preconceitos não implica, necessariamente, ser preconceituoso e aí reside o segredo de bem viver: usar da razão que todos temos (embora alguns pareçam não ter) para domar nossos preconceitos. É natural nós acharmos os nossos filhos mais lindos e, por que não?, melhores que as outras crianças. Mas isso não justifica tratarmos os filhos de outros de maneira pior do que tratamos os nossos. Ao contrário, quando uma pessoa normal (é bom que se diga) tem a responsabilidade de cuidar de várias crianças, inclusive de seus próprios filhos, geralmente se esforça para tratar todas igualmente. Muita vez se esforça tanto para demonstrar carinho e atenção  com todas as crianças que exagera e causa o protesto dos próprios filhos: "comigo você não é assim".

Este mesmo raciocínio vale para coisas mais supérfluas, como a escola que estudamos, os produtos das marcas que gostamos e o time para o qual torcemos; mas vale também para coisas mais importantes, como nossos relacionamentos com pessoas de outras cidades, outras regiões, outros países, outras culturas, outras cores, outros credos, outros valores. Nossos valores sempre serão melhores aos nossos olhos que os valores dos outros e estes outros pensarão o mesmo a respeito de seus próprios valores. Se todos extravasassem seus preconceitos, o mundo viveria constantemente em guerra.

Eu tenho pra mim que quem acredita, honestamente, não ter preconceitos ou engana-se a si próprio ou nunca de fato se observou friamente o suficiente para se conhecer de maneira verdadeira. Quando uma pessoa alega não ter preconceitos, geralmente quer dizer que sua razão é mais forte que eles e que consegue domá-los.

Este preconceito natural faz parte de nós e nossa razão deve ser capaz de dominá-lo para podermos viver em paz com nossos semelhantes. Mas existe outra espécie de preconceito: o artificial. Neste caso, ao invés de colocarmos nossa razão para dominar preconceitos, colocamo-la para criá-los. Este preconceito nos serve atendendo às nossas conveniências, às nossas vontades, à nossa estultice.

Este é um artifício terrível. Acredito mesmo que seja o mais terrível artifício humano. Veja o que Hitler e Goebbels conseguiram fazer se valendo dele: a partir de um preconceito natural, que todos têm contra culturas diferentes de suas próprias, eles 'justificaram' o maior genocídio da história. Isso parece tão distante, mas faz apenas 63 anos que a Segunda Guerra terminou. Na Alemanha de 70 anos atrás, pessoas que uma vez conviveram harmoniosamente como vizinhos, em poucos anos estavam odiando e sendo odiadas, estavam matando e morrendo.

Mas por que falo de preconceitos, nazistas, genocídio? Porque esta praga não está extinta. Ou melhor, o nazismo está extinto, genocídios sempre podem voltar a ocorrer, mas o que me faz escrever e o que defendo que não está extinto é o que está por trás de tudo isso, sua essência: a capacidade humana de usar de artifícios tão imorais como a insuflação de preconceitos nas massas para atingir objetivos pessoais, para conquistar o poder.

A partir deste ponto, alguns chiarão: "como ousa comparar Marta com Hitler?". Não estou comparando as obras dos dois, mas o caráter: ambos são capazes de mandar a ética pro brejo e incitar o que há de pior nas pessoas para conquistar o poder. 

Vejam o que a campanha de Marta Suplicy resolveu fazer em São Paulo: publicar inserções no rádio e na televisão questionando a masculinidade do prefeito e também candidato Gilberto Kassab e distribuir panfletos o acusando de "tentar derrubar o presidente Lula", "querer acabar com programas sociais do governo", "espalhar o ódio" e "diminuir o pré-natal de mulheres negras, causando aumento da mortalidade materna". A intenção é clara feito o dia: incitar o preconceito natural de heterossexuais contra homossexuais e atrelar Kassab a este último grupo que, por ser minoria, faria com que ele mais perdesse do que ganhasse votos; e atiçar o preconceito natural de pobres e negros contra um Kassab "mal feito um pica-pau", que não gosta de negros e quer acabar com os pobres. 

Marta Suplicy disse que não tem nada a ver com isso e que isso é responsabilidade do marqueteiro. Ao menos a mim, me ofende profundamente esta postura. Como não tem nada com isso? É claro que tem. Estas ações foram tão feias, tão deploráveis, que ninguém, nem do partido de Marta, se manifestou publicamente para defendê-las. Mas é aí que fica o 'pulo do gato': Marta e os dirigentes da campanha sabiam que estas coisas teriam repercussão negativa entre os 'mais esclarecidos', mas a aposta deles é nos 'menos esclarecidos' (é difícil escrever isso; como definir quem é mais esclarecido e quem é menos?, mas creio que me fiz entender). De fato, muitos apoiadores de Marta mais exaltados compraram a idéia e teve quem ofendesse eleitores de Kassab dizendo: "Kassab é viado, vocês vão votar num viado?".

Como se vê - para quem quer realmente ver -,  a essência humana continua a mesma de sempre. Por isso temos que ter atenção redobrada com qualquer possibilidade de se criar preconceitos artificiais e temos, sim, que combater veementemente estes absurdos. A eleição de Marta em SP, mais do que um atraso ideológico, seria uma atraso moral.

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