sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Gente idiota

Se tem uma coisa que a civilização deveria abominar e banir são pessoas que manipulam a verdade e insuflam as massas para atingir objetivos pessoais (como disse no post "O pior dos preconceitos"). Mas tem outra coisa que chega a ser tão abominável quanto, se não mais, que são as pessoas esclarecidas se deixarem manipular feito idiotas. Que uma pessoa ignorante seja manipulável é coisa triste, mas compreensível, já que estas pessoas não se emanciparam e não são muito mais que "animais humanos em estado natural". Mas pessoas que estudaram, que demonstram ter conhecimento, se deixarem manipular é inadmissível. 

Vejam o exemplo do conflito entre sindicalistas e policiais civis de um lado e policiais militares de SP de outro. Tem gente na Internet postando comentários e defendendo o 'movimento' dos policiais civis (que não representa os policiais civis como nenhum outro 'movimento' ou sindicato representa suas categorias; falarei sobre isso em outro texto). E não se trata de gente ignóbil. São pessoas que demonstram capacidade de articulação, citam 'pensadores' e tal. Tais comentaristas alegam que os policiais civis e os sindicalistas estão certos por três motivos:

  1. O salário dos policiais é muito baixo;

  2. O governo, segundo alegam, se nega a negociar; e

  3. Os governos tucanos (FHC, Covas, Alckmin, Serra) arrocham os salários de servidores públicos.

Isso tudo é tão aborrecidamente medíocre que altera o meu humor ter de escrever a respeito, mas vamos lá:

  1. O salário ser baixo dá direito a policiais, ou a quem quer que seja, de passar por cima da lei? Não, porque existe lei (ainda e graças a Deus) para ser cumprida. Se o que é 'certo' fosse determinado de acordo com a percepção classista dos fatos, não haveria motivo para existirem leis. Esse argumento é um exemplo acabado do que o Reinaldo Azevedo tanto combate em seu blog: o 'direito achado na rua'. Segundo esta 'corrente do direito', o jurídico não pode se sobrepor ao 'legítimo'. Logo, se os policiais acham legítimo (e de fato é) ter salários melhores e o governo diz que não tem como pagar o que eles querem, podem, então, passar por cima da lei, fazer manifestação no entorno do palácio dos Bandeirantes (o que é ilegal), usar equipamentos públicos e, absurdamente, até armas para 'reforçar' sua manifestação. Não precisamos ser legalistas, o próprio bom senso já diria que isso é um absurdo. A polícia não pode se insubordinar contra o poder constituído democraticamente, não pode chantagear o governador e, principalmente, não pode usar equipamentos e ARMAS em 'defesa' de interesses próprios;

  2. Sobre a negociação por parte do governo, antes de qualquer coisa, isso é mentira: o governo tem negociado e foi amplamente divulgada na imprensa já há dias a proposta do estado. Ocorre que, obviamente, a proposta fica aquém do desejo dos policiais. Mas, ainda que o governo não negociasse, teriam 'direito' os policiais civis de agir da maneira que agiram? Novamente 'o direito achado na rua'. Este argumento de intransigência do governo serve apenas ao propósito político de enfraquecer José Serra, o PSDB e os Democratas. Não resiste à verdade mais elementar que é: não interessa se o governo negocia ou não, esta ação dos baderneiros não tem justificativa legal, nem moral, nem lógica. Repito: policiais não podem usar armas em defesa de interesses próprios, não podem chantagear o governador e não podem desafiar o poder constituído democraticamente;

  3. Sobre arrochos, novamente o jogo político rasteiro. Acho que este pessoal imagina o FHC conversando com Serra nos seguintes termos: "vamos dar aumento pros funcionários públicos?", pergunta um; "não, eles não merecem" responde o outro; "é verdade, não merecem mesmo, a gente até poderia ser bonzinho, mas este povo merece é chibatada", retruca o primeiro. É ridículo este argumento. O governo não concede reajustes porque não tem como. Ou alguém imagina que Serra entrou neste imbróglio por pirraça? Aliás, é esta firmeza na administração do recurso público que hoje permite ao Brasil estar numa condição econômica e social melhor que antes. Ademais, por mais baixo que sejam os salários, não são 'de fome'. Ninguém está morrendo de fome, até porque os salários são, no mínimo, dentro da média dos trabalhadores e ninguém corre o risco de ser mandado embora, como ocorre com nós outros pobres trabalhadores. Por último, ninguém é escravo do estado. Qualquer um pode repensar sua carreira, sair da polícia e do serviço público, buscar outras ocupações. Novamente, nós, outros pobres trabalhadores, fazemos isso o tempo todo.

A minha maior pergunta é: como gente esclarecida, estudada, letrada, se deixa manipular tão facilmente? A coisa é tão forte que parece automático e óbvio o 'lado certo' na cabeça destes idiotas. Se alguém tiver outro argumento para defender esta balburdia, que não os três que citei anteriormente, que os apresente e, se forem sérios, os terei não como idiotas, mas como gente sensata. Mas se os únicos argumentos são os acima, pra mim, são pessoas sem juízo algum (que é o que idiota significa).

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