sábado, 18 de outubro de 2008

O papel das TVs no seqüestro em Santo André

Há muito tempo a postura de muitas emissoras de televisão causa náuseas em muita gente. Em mim, causa mais que náuseas, causa indignação. Este caso trágico do seqüestro de Eloá e Nayara por parte de Lindemberg Alves serve de exemplo claro do porquê as emissoras, 'jornalistas' e apresentadores da TV brasileira são uma das piores influências sobre a população.

A TV brasileira tratou este caso como um show, como uma novela real apresentada à população em tempo integral. Eu chego a dizer que muitos 'profissionais' da TV torciam ardentemente por novos lances de impacto para poder apresentá-los em suas 'reportagens exclusivas'. Não digo que torcessem pela morte das meninas, isto não me passa pela cabeça (ainda), mas que torciam por lances semelhantes ao pedido de comida feito pelo sequestrador e que seria para namorada. Segundo ele, a menina não podia se alimentar com besteiras e precisava de uma alimentação de qualidade. A TV glamorisou esse fato e transformou o seqüestrador em 'apenas um romântico', um garoto transtornado por amor, mas que se preocupava em cuidar de seu objeto de adoração.

Após o Lindemberg romântico, apareceu o Lindemberg super star. Os programas 'voltados à família' e os policialescos resolveram dar voz ao seqüestrador. Houve até entrevista com o rapaz, inclusive a já infame entrevista ao vivo à Sonia Abrão. Essa exposição fez Lindemberg se sentir mais  poderoso do que já se sentia, chegando a proferir ameaça contra a ação da polícia do tipo "se eles fizerem besteira, eu acabo com tudo". Se proliferaram as rodas de 'especialistas' discutindo as ações do seqüestrador, das vítimas, da polícia. Curiosamente, nenhuma roda discutia o papel da imprensa e da TV. Ninguém disse, exceto, quem diria?, Jóse Datena da Bandeirantes (embora ele também faça parte do grupo), que esta exposição massiva do caso atrapalhou muito a solução pacífica deste conflito. Ninguém discutiu formas de colocar a TV para ajudar a salvar as vidas das meninas. Em contrapartida, não faltaram e não faltam jornalistas de meia-pataca, especialistas que nunca estiveram numa situação de risco e apresentadores que 'têm a solução pra tudo e estão sempre certos' criticando duramente a polícia.

Eu poderia citar várias emissoras e vários programas que negligenciaram suas responsabilidades. Poderia também citar muitos exemplos na Internet, com vídeos, reportagens escritas e comentários em blogs. Mas eu quero que este texto seja lido, então não convém que ele se estenda demais. Vou me concentrar em um caso: o programa "Hoje em dia" da rede Record.

Hoje, este programa apresentou uma de suas famosas rodas com especialistas. Fora o cel. aposentado José Vicente, nenhum tinha experiência real neste tipo de caso. Mas todos 'sabiam' o que tinha de ser feito. Todos tinham as respostas certas para todos os problemas do caso. Quase todos reprovavam a polícia e diziam como deveria ter sido feita a operação. O cel. foi o único que, ponderadamente, disse que fazer considerações longe do problema e confortavelmente instalado é muito fácil.

Entre uma pergunta e outra, quase todas incitando o confronto com a polícia, o apresentador Brito Jr. parava a conversa, sempre com frases como: "Esta questão é muito importante para o entendimento deste caso, mas o sr. responde depois do recadinho da Cris e do Edu". Aí entravam a Cris e o Edu sorridentes fazendo a propaganda de algum dos patrocinadores. Para mim, esta situação é surreal: um programa que, como outros, tem responsabilidade direta no desfecho do caso em que duas meninas foram feridas, uma, infelizmente, num estado que apenas um milagre a pode livrar; incitando a população contra a polícia; dando voz a 'especialistas' que, como disse Reinaldo Azevedo, nunca libertaram um passarinho de uma gaiola; e faturando, literalmente, com este circo de horrores. Me angustia, me embrulha o estômago e me dá nó na garganta esta situação absurda.

Este é apenas um exemplo de muitos. Caberiam vários textos e várias reflexões sobre o papel destas empresas na sociedade brasileira. Cabe a nós refletir de fato sobre isso, gastar tempo pensando e definir o que é ser ético em meio a esta enxurrada de mediocridade, irresponsabilidade e desprezo pelas desgraças alheias.

Um comentário:

Anônimo disse...

Moacyr,

Primeiramente, parabéns por sua iniciativa e pelo seu blog. Como sempre uma pessoa de visão e frente de nossa época.
Você conseguiu com palavras definir e expressar aquilo que todos nos pensamos de nossa mídia. Eu acrescento mais, quando todos em determinado momento achavam o seqüestrador um romântico, depois de 100 horas de drama queriam sua cabeça de presente. Pela primeira vez admiti que nossa policia agiu com cautela e prudência, mais ainda falta muita experiência.
Mais uma vez parabéns pelo Blog.